domingo, 11 de março de 2012

“Não existe preconceito contra mulheres na ciência”

Para a química Mariana Antunes Vieira, o desafio de ser cientista não é a discriminação, mas sim, fazer ciência no Brasil

por Redação Galileu

Editora Globo
"Existe uma grande barreira entre o que é desenvolvido nas universidades e o que é usado nas indústrias", conta Mariana

A professora de química da Universidade Federal de Pelotas, Mariana Antunes Vieira, que pesquisa o reaproveitamento da glicerina resultante da produção de biodiesel, recebeu o prêmio L´ORÉAL/UNESCO para Mulheres na Ciência na categoria de Química, em 2011. Em conversa com a Galileu, ela conta mais sobre química, sustentabilidade e sobre como é ser uma mulher comprometida com a ciência no Brasil:

Como ganhadora do prêmio L´ORÉAL/UNESCO para Mulheres na Ciência em 2011, você diria que as mulheres ainda sentem discriminação no meio científico? Ainda existe preconceito?
Eu nunca passei por isso e nem sei de casos atuais de mulheres que tenham passado por situações como essa. Acredito que nós conquistamos o nosso espaço na ciência. Passamos daquela fase de mostrar que podemos fazer “tanto quanto o homem”. Isso já se sabe. Hoje não existe nenhum preconceito contra mulheres na ciência.

E como você se interessou por química?
Desde que eu tinha aulas de química e física na escola. Sempre tive curiosidade em saber como as coisas funcionavam e se transformavam. E então fiz um curso técnico no ensino médio de auxiliar de laboratório e, desde então, minha carreira se voltou para a química.
Suas colegas do curso técnico também seguiram para o lado da ciência?
Hoje, de uma turma de vinte pessoas, acredito que apenas quatro mulheres tenham seguido a carreira na área de química. Acredito que isso se deva mais à afinidade das pessoas com o tema do que com alguma pressão da sociedade, mas a demanda por essa mão de obra também precisa ser analisada. Hoje, temos mais necessidade desse tipo de profissional.

Existe alguma cientista que te inspirou a se tornar uma química?
Marie Curie, com certeza. Ela não era química, e sim física, mas é um exemplo de determinação e de cientista. Mesmo com problemas de saúde ela conseguiu alcançar grandes feitos.

Sua pesquisa trata sobre o reaproveitamento da glicerina que é criada na produção do biodiesel. Qual é a importância disso para a indústria brasileira?
A glicerina, quando pura, tem inúmeras aplicações na indústria. Fabricantes de chocolate, por exemplo, usam a substância para untar as fôrmas. Indústrias de cosméticos também a usam em alguns produtos. Mas quando ela é resultante do processo de produção do biodiesel ela não vem limpa, já que apresenta uma quantidade de metais, tornando seu reaproveitamento mais difícil. Atualmente, toda a glicerina resultante da produção de biodiesel, cerca de 10% do volume final do processo, é simplesmente estocada em barris ou então descartada incorretamente. Com a minha pesquisa, que trata sobre a retirada dos metais dessa substância, ela poderia ser usada em nossas indústrias – uma solução mais sustentável para toda a glicerina que é deixada de lado.

E o que falta para que esse método seja aplicado em nossas indústrias?
A indústria do biodiesel acha que o preço da glicerina é muito baixo. Ao mesmo tempo os processos de purificação da substância são, hoje, muito caros. Falta incentivo para que ela seja reaproveitada dentro do nosso país. No exterior isso já é feito – um destino muito mais correto é dado para a glicerina.

Por que as novas tecnologias que vemos sendo desenvolvidas nas universidades dificilmente vão parar nas indústrias brasileiras?
Existe uma grande barreira entre o que é desenvolvido nas universidades e o que é usado nas indústrias – a falta de incentivo. Já existem algumas organizações dedicadas a fazer essa ligação, mas isso pode aumentar. Vemos projetos desenvolvidos em mestrados e doutorados, que demandam anos de dedicação, simplesmente morrendo encadernados em uma estante. Meu sonho seria ver alguma descoberta minha sendo aplicada na indústria.

Qual foi o papel do prêmio L´ORÉAL/UNESCO para Mulheres na Ciência no desenvolvimento de sua pesquisa?
Além do reconhecimento, foi com a verba do prêmio que comecei de verdade minha pesquisa. Fazer ciência é caro e, no Brasil, precisamos sempre estar em busca de novos incentivos para poder dar continuidade a esses projetos. Aqui você precisa construir seu caminho, afinal ciência só se faz com verba. 
 
http://revistagalileu.globo.com/

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